O debate sobre o futuro dos jogos no Brasil ganha novos contornos no Rio de Janeiro. Enquanto o Congresso mantém parado o PL que legaliza cassinos, estados buscam alternativas próprias. No centro das discussões estão os VLTs, máquinas que prometem unir tecnologia e tradição. A Loterj lidera a iniciativa, inspirada no modelo de Las Vegas e com promessa de milhares de empregos. Mas o “plano carioca” já enfrenta resistências políticas e levanta dúvidas sobre regulação e controle.
Enquanto o controverso projeto de lei que regulariza de vez os jogos de azar no Brasil repousa em uma gaveta do Congresso Nacional, empresas que atuam no naco legalizado do mercado de apostas esportivas se mobilizam para tentar ampliar o leque. O objetivo é migrar do mundo virtual das bets para o real, um passo que lhes abriria uma frente para lá de lucrativa.
Se na tela do celular os caça-níqueis digitais já fazem sucesso com simpáticos personagens do universo dos games, como os famosos tigrinhos, cidades brasileiras passariam a abrigar maquininhas de carne e osso. O negócio saiu do papel no Paraná e também avança na Paraíba e no Tocantins.
Mas é no Rio de Janeiro onde se revela mais ambicioso, envolto na ideia de resgatar os tempos em que o jogo rolava à solta nos cassinos da Urca e do Copacabana Palace, nos idos de 1940. “Seremos a versão nacional de Las Vegas”, diz Hazenclever Lopes Cançado, presidente da Loterj, à frente da iniciativa.
A reportagem de VEJA teve acesso a detalhes do plano, que começa a tomar corpo. A autarquia estatal de loterias tem no cadastro dezenove empresas com permissão para instalar maquininhas — a meta oficial é chegar em dois anos a 200.000 delas, inclusive em icônicos prédios cariocas, como o Hotel Nacional e o Jockey Club.
Esses espaços alojariam telões de alta definição para transmissões esportivas, restaurantes e palco para shows. As semelhanças com os tradicionais cassinos não são acidentais, mas uma diferença fundamental os distingue — justamente a natureza das máquinas.
Embora se pareçam com caça-níqueis comuns, os VLTs (terminais de videoloteria, na sigla em inglês) são uma espécie de versão eletrônica dos bilhetes das famosas raspadinhas. “O valor e a frequência da premiação são predeterminados em uma série finita, numerada, aprovada e fiscalizada pela Loterj”, afirma o presidente do Instituto Brasileiro Jogo Legal, Magno José.
Pelas regras, sorteia-se pelo menos 65% do total arrecadado e há controle com o uso de QR code, para garantir que apenas maiores de idade participem, em medida imprescindível.
O primeiro passo para viabilizar empreendimentos do gênero foi recentemente dado pelo governador Cláudio Castro (PL), que editou um decreto regulamentando a atividade. Valeu-se da regulamentação das bets, estabelecida por lei federal em dezembro de 2023, que permite a exploração desse tipo de serviço tanto na modalidade on-line como física.
Governos estaduais podem emitir licenças regionais, com base em uma interpretação do Supremo Tribunal Federal. Por decisão do ministro André Mendonça, referendada pelo plenário, as empresas são obrigadas a operar de maneira restrita, no território de quem emitiu o certificado. O mérito ainda será analisado.
Enquanto o Supremo não bate o martelo, a regra segue valendo. Ou seja, governos com o do Rio estão dentro da legalidade. Até o momento, a única exigência é que as empresas sigam a legislação nacional, modelo semelhante ao dos Estados Unidos, onde a liberação do jogo cabe a cada unidade federativa.
“O jogo é uma atividade econômica exercida em diversos países. Ela gera empregos e incentiva o turismo, mas precisa ser fiscalizada”, disse Castro a VEJA, estimando a criação de 65.000 novas vagas. “A regulação trará segurança para os apostadores”.
O que move o “plano Las Vegas” é a possibilidade de turbinar a arrecadação e melhorar a delicada situação fiscal do Rio. Atualmente, o mercado de apostas rende cerca de 30 milhões de reais por ano aos esvaziados cofres do Palácio Guanabara, cifra considerada irrisória diante de vasto potencial de um pedaço do Brasil ímã de turistas.
Em meio às articulações para a disputa eleitoral de 2026, contudo, o projeto encontrou resistência. O prefeito Eduardo Paes (PSD), candidato à sucessão de Castro, vetou a concessão de alvarás de funcionamento assim que soube da regulamentação.
Parte das empresas estava prestes a iniciar suas operações. “Se for para construir uma Las Vegas, que haja legislação adequada para abertura de cassinos. Do jeito que a liberação foi feita, não temos controle”, argumenta Paes.














